Boletim n. 315 - abril/2025
- ASSAN 2025
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A revisão do decreto n. 10.148/2019
Nas reuniões realizadas em fevereiro, uma delas com a presença da ministra Esther Dweck, a Assan solicitou acesso à minuta da revisão do decreto n. 10.148/2019, que promoveu alterações no âmbito do Sistema de Gestão de Documentos de Arquivo (Siga), no Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), além de retirar do Arquivo Nacional a atribuição de autorizar a eliminação de documentos produzidos pela administração pública federal. A solicitação foi aceita pela direção-geral nas duas ocasiões, e dois e-mails foram enviados para reforçar o pedido acordado, mas ambos ficaram sem resposta. A minuta do documento, parte do processo referente à revisão do decreto n. 10.148/2025 (SEI 08227.000578/2025-80), aberto somente em 27 de fevereiro de 2025 com nível de acesso público, foi disponibilizado no blog da Assan para conhecimento dos servidores e de todos os interessados no tema. Apesar de estar em tramitação para apreciação do MGI, podendo sofrer alterações em seu texto, é importante fazer algumas considerações iniciais sobre essa minuta.
O documento proposto tem o grande mérito de finalmente reconhecer, por parte da nova direção-geral do Arquivo Nacional e do MGI, os problemas apontados pela Assan e a comunidade arquivística, tentando reverter parte dos estragos promovidos pelo decreto n. 10.148/2019. Um dos aspectos a destacar é a reversão do Sistema de Gestão de Documentos (Siga) ao seu escopo original, perdendo o “e Arquivos” que abria espaço para a chamada guarda compartilhada, projeto de terceirização dos serviços arquivísticos. A minuta revê ainda a alteração de composição das Comissões Permanentes de Avaliação de Documentos (CPADs), resgatando seu caráter multidisciplinar, fundamental para garantia de maior precisão do processo de avaliação e destinação de documentos.
Infelizmente, este ímpeto foi apenas parcial. A proposta não incluiu a revisão das alterações sofridas pelo Conarq, que teve sua composição e funcionamento alterados pelo decreto bolsonarista, perdendo as câmaras setoriais e passando a contar apenas com as câmaras técnicas transitórias, em número reduzido. Não se justifica o esforço político de alterar apenas parcialmente esse decreto, mantendo toda a parte relativa ao órgão responsável pela definição da política nacional de arquivos, que teve comprometido o espaço de debate científico e técnico de temas relevantes da área, cujo resultado pode ser constatado nas reuniões plenárias do Conarq.
Um segundo aspecto diz respeito à eliminação de documentos, estando prevista na minuta a possibilidade de requisição, por órgãos e entidades, de autonomia para aprovação de listagens de eliminação, mediante cumprimento de requisitos a serem regulamentados. Causa estranheza esta possibilidade, já que boa parte do debate em torno do decreto n. 10.148/2019 teve como ponto central o que foi considerado a supressão da competência do Arquivo Nacional na aprovação das listagens de eliminação, conforme previsto no artigo 9º da lei n. 8.159/1991, tendo sido inclusive objeto da ação civil pública de n. 5006596-71.2022.4.02.5101/RJ, do Ministério Público Federal (MPF-RJ). Ainda que se considere que serão estabelecidos requisitos para tal autonomia, que até o momento desconhecemos, é preciso destacar dois pontos. Por um lado, a minuta esbarra no aspecto legal, pois se mantém o argumento de que este dispositivo desrespeita a lei n. 8.159/1991, a Lei de Arquivos. Por outro, permanece o debate sobre uma questão de princípio, o papel dos arquivos públicos frente ao Estado. Este esforço de contenção de danos, estritamente na parte referente à gestão de documentos, convive com o acelerado processo de fragilização da autoridade técnica do Arquivo Nacional, patrocinado pelo ColaboraGov e que pode ser observado no esdrúxulo uso de ‘atividades de suporte’ para referir-se ao termo comumente utilizado pela literatura arquivística, e constante dos dicionários da área: atividades-meio. A minuta ainda prevê a fiscalização da eliminação dos documentos produzidos pelos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, que se restringe ao acompanhamento pelo Diário Oficial da União dos editais de ciência e eliminação publicados, prevista a suspensão do edital em caso de irregularidades, uma perspectiva bastante reduzida do que poderia ser esta importante atribuição. Precisamos retomar o debate em torno da alteração do decreto n. 10.148/2019, de forma a recuperar o lugar do Arquivo Nacional na administração pública federal.
É preciso romper o silêncio: o assédio moral como estratégia administrativa
A prática de assédio moral não é nova, mas se tornou mais comum no Arquivo Nacional e no serviço público federal nos últimos anos, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro. Podemos mesmo dizer que no AN o assédio moral se configurou como estratégia administrativa de muitas chefias para afastar servidores críticos a trabalhos e projetos distanciados das ‘boas práticas arquivísticas’ ou do (que deveria ser o) interesse da instituição.
Em 2024, o presidente Lula aprovou o decreto n. 12.122, que estabeleceu um programa para o tratamento do assédio moral e da discriminação no âmbito da administração pública federal. A importância conferida à questão não significou, contudo, uma alteração desse cenário, que persistiu de forma sistemática no AN, como denunciado pela Assan em várias ocasiões. Ao lado dessa continuidade, observa-se a pouca efetividade das ações empreendidas, sobretudo aquelas relacionadas ao tratamento das denúncias, haja vista a morosidade das instâncias na apuração dos casos e no fornecimento de respostas aos servidores.
No dia 18 de março, representantes da atual diretoria da Assan acompanharam dois colegas da Divisão Memórias Reveladas em uma reunião com a diretora-geral, Monica Lima, proposta pelo diretor da DPT, Thiago Vieira, em uma demonstração de ‘abertura ao diálogo’. Tal sugestão foi dada após os servidores solicitarem sua saída daquela divisão, justificada por uma série de denúncias que precisam ser apuradas. O pedido de saída dos servidores foi acolhido pela DPT de imediato. Não houve tentativa de apontar uma solução capaz de promover a permanência dos servidores, evidenciando que o diálogo proposto não se traduziu em medida efetiva para conter eventuais abusos. Vale lembrar que a Divisão Memórias Reveladas conta com um quadro de pessoal reduzido, no aguardo de servidores selecionados em edital de movimentação via cessão, publicado em maio de 2024. Outro servidor que retornou ao AN, Vicente Rodrigues, solicitou sua integração à equipe do MR, mas não obteve resposta. Ao ser questionado, o diretor da DPT disse que a resposta fora enviada à Cogep e que, no momento, essa não era a prioridade da diretoria, por estar prevista a chegada de servidores para recompor a equipe do MR.
Na reunião com a direção-geral, que contou, também, com a participação de Rildo Peixoto, como representante da Ouvidoria do MGI, e do diretor da DPT, os servidores tiveram oportunidade de expor as experiências que motivaram seu pedido de movimentação para outra área. De nossa parte, colocamos em questão a lentidão dos encaminhamentos, que gera descrédito sobre as ações administrativas, desestimulando a denúncia de condutas abusivas. Tal qual um enredo kafkiano, ao relatarmos a falta de informação sobre uma denúncia feita ao MGI em 2023, a sugestão dada pelo representante da Ouvidoria da pasta foi que o servidor buscasse mais informações sobre seu próprio processo via Lei de Acesso à Informação (!).
Ao final, a direção-geral se dispôs a verificar a existência de prazos para resposta dos processos na Corregedoria do MGI e se comprometeu a enfrentar a questão do assédio moral. Este compromisso, no entanto, precisa ser cobrado do próprio corpo diretivo e assumido diante de todos os servidores, de preferência, em uma reunião geral, que foi solicitada pela diretoria da Assan em fevereiro, como forma de coibir essa prática tão entranhada nas relações de trabalho da instituição. Mais do que o acolhimento oferecido, é imprescindível que se estabeleçam medidas efetivas voltadas para a prevenção e o tratamento dessas denúncias. A solução para tais casos não pode estar na saída dos servidores que sofrem com condutas prejudiciais à sua integridade psíquica e ao seu trabalho.
É preciso também que os servidores do AN busquem os canais e formalizem suas denúncias, para que, a despeito de todo o descrédito, possamos seguir cobrando sua apuração e tratamento. Além disso, podem procurar a Assan para mais orientações e apoio.
Mais informações sobre os canais existentes estão disponíveis no Blog da Assan. Clique aqui.
Arquivo Nacional e ColaboraGov, a saga
O MGI aprovou, em 21 de fevereiro, a portaria MGI/SSC n. 1.172, que institui a gestão documental, o sistema eletrônico de Informações – SEI/ColaboraGov e os meios oficiais de publicação de atos internos no âmbito do Centro de Serviços Compartilhados – ColaboraGov. Essa portaria torna mais complexo o imbróglio que envolve as relações pouco claras entre ColaboraGov e Arquivo Nacional, que vem tendo suas atribuições esvaziadas pela Secretaria de Serviços Compartilhados no que diz respeito à gestão de documentos. Em 2024, o MGI já havia publicado a portaria n. 2.178, que instituiu a Subcomissão de Coordenação do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos do Centro de Serviços Compartilhados (Colaboragov), criando uma estrutura no Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos (Siga) do governo federal não prevista nos decretos n. 4.915/2003 e n. 10.148/2019, que trataram de sua organização e funcionamento. Mais uma vez, o ColaboraGov se coloca como instância de intermediação com os chamados órgãos solicitantes, que são atendidos por este serviço, atualmente 13 ministérios. A portaria mais recente tenta contornar esta sobreposição de atribuições com a singela colocação de que na padronização dos procedimentos de gestão de documentos seriam observadas “as orientações” daquele que é o órgão central do Siga, o Arquivo Nacional, o que nem de longe soluciona o grave problema de desrespeito à autoridade arquivística do Arquivo Nacional, que vem sendo apontado desde o início da gestão da ministra Esther Dweck no MGI. Em reunião no dia 24 de fevereiro, que contou com a participação da diretora-geral do Arquivo Nacional, Monica Lima, da ministra Esther Dweck e do secretário de Serviços Compartilhados, Cilair Abreu, além de outros representantes do AN e MGI, a Assan indagou sobre a portaria n. 1.172, publicada naquele dia, e o esvaziamento das funções do Arquivo Nacional na gestão de documentos. Nessa ocasião, a representante da DGD, Paola Rodrigues Bittencourt, informou aos presentes que foi feita uma nota técnica quando da elaboração da minuta da portaria, mas que a diretora-geral Ana Flávia Magalhães Pinto optou por não a incluir no processo. O MGI instituiu uma estranha arquitetura para a gestão de documentos da administração pública federal, que envolve Arquivo Nacional, Siga e ColaboraGov, mas o que de fato vem sendo realizado nessa área junto aos órgãos solicitantes? De que mecanismos de controle dispomos para acompanhar os procedimentos de gestão de documentos no âmbito do ColaboraGov? Precisamos discutir o ColaboraGov e posicionar o Arquivo Nacional nesta instância criada pelo MGI, em respeito às atribuições legais da instituição arquivística.
Funai e o Centro de Referência Virtual Indígena
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) noticiou em sua página, no dia 20 de março, a assinatura do acordo de cooperação técnica (ACT) com o Instituto de Políticas Relacionais (IPR), cujo objeto é a implementação e execução do projeto Centro de Referência Virtual Indígena. O projeto prevê a digitalização de cerca de 5 milhões de páginas de documentos históricos, com recursos da Embaixada Real da Noruega, que serão disponibilizados no portal Armazém Memória e nos portais da Funai. Numa rápida pesquisa no portfólio apresentado nas redes sociais, nota-se que o IPR não menciona projetos da envergadura do que será desenvolvido pelo acordo assinado. A digitalização de documentos arquivísticos exige uma série de procedimentos técnicos, aderentes aos requisitos arquivísticos, de forma a garantir a qualidade dos representantes digitais produzidos, mas também a segurança do acervo digitalizado, o que foi objeto das resoluções n. 20, de 16 de julho de 2004, e n. 48, de 10 de novembro de 2021, do Conarq. O acervo está organizado, descrito e em bom estado de conservação, conforme as normativas vigentes? Que procedimentos serão adotados para garantia da integridade e da organização dos documentos originais, além da autenticidade dos representantes digitais?
No caso da Funai, tal projeto deveria ser acompanhado pelo Arquivo Nacional, cuja competência prevê orientação técnica aos órgãos e entidades da administração pública federal. A perda de espaço político do Arquivo Nacional pode ser medida pela invisibilidade que o órgão parece assumir na administração federal, como demonstrado por esta ação da Funai, mas podemos observá-la ainda no avanço do ColaboraGov e na oferta de serviços de gestão de documentos com foco nos órgãos públicos federais, o Correios Gestão DOC, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT). Ações como estas, bastante discutidas na comunidade arquivística, são acompanhadas, quando muito, por notas da direção-geral do Arquivo Nacional. Precisamos mais do que notas, a situação do Arquivo Nacional exige ação política!
Arquivos privados: quando será finalmente revogada a portaria n. 311/2019?
Em setembro de 2019, durante o governo Bolsonaro e sob a gestão de Neide de Sordi, a portaria n. 311 estabeleceu que o AN só pode adquirir acervos privados que tenham recebido a Declaração de Interesse Público e Social, recomendada pelo Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) e concedida pelo MGI.
Consideramos que a portaria n. 311/2019 retira grande parte da autonomia do AN na aquisição de arquivos privados e constitui um entrave às doações, podendo deixar em risco acervos relevantes para a história e a memória do povo brasileiro. Desde sua publicação, mas em especial desde janeiro de 2023, com a mudança de governo, temos cobrado a sua revogação.
Apenas no primeiro semestre de 2024 houve alguma movimentação nesse sentido: foram elaboradas duas minutas de normativas que propunham a revogação da portaria n. 311, com o fim da Declaração de Interesse Público e Social como critério para entrada de arquivos privados no AN e o restabelecimento de uma comissão interna para avaliação das aquisições.
No entanto, o processo SEI 08227.000790/2024-66, que registra essa proposta de mudança, permaneceu parado na direção-geral desde julho de 2024, sendo retomado apenas em fevereiro de 2025. No dia 10 de março de 2025, o processo enfim seguiu para o MGI. A assinatura e a publicação das novas portarias aguardam parecer da Consultoria Jurídica e da Secretaria-Executiva da pasta.
A Assan chama a atenção para a morosidade que marca a condução desse processo. Mais de dois anos se passaram, sem que a revogação da portaria n. 311/2019 fosse implementada. Esperamos que o corpo diretivo do AN e o próprio MGI compreendam a importância e a urgência dessa mudança.
A Assan somos todos nós!
A Associação dos Servidores do Arquivo Nacional, criada na década de 1980, tem por finalidade congregar e representar os servidores da instituição, incentivar a cooperação entre eles, bem como o seu aprimoramento cultural e profissional.
Há vários caminhos para concretizar cada uma dessas finalidades. Mas, para que possamos percorrê-los, é fundamental a participação do corpo de servidores que trabalha no Arquivo Nacional. É essa participação que determina como defenderemos nossos interesses, nosso trabalho e nossos direitos.
A Assan somos todos nós. Independente de órgão de origem, todos podem se filiar à associação, participar das reuniões e assembleias com direito a voz e voto, buscar a entidade caso se sinta vulnerável diante de assédio e frequentar as atividades sociais. Em breve, iniciaremos as discussões para a reforma do estatuto com o fim de possibilitar que servidores cedidos possam, também, compor a diretoria da entidade.
Como todos sabemos, as organizações representativas dos trabalhadores vêm passando por um processo de desgaste e esvaziamento ao longo dos anos, motivado por diferentes fatores. No entanto, cabe reforçar a importância da luta coletiva pelo nosso espaço, nossos direitos e pela própria instituição em que trabalhamos. Mais do que nunca precisamos defender o serviço público de propostas de terceirização, flexibilização, esvaziamento. Construir uma associação forte é apenas o primeiro passo para isso.
Se você é filiado, participe das reuniões, proponha atividades e caminhos de luta. Se não é filiado, filie-se. Se o seu colega acha que não pode se filiar porque é cedido, mostre o estatuto para ele e convide-o para a Assan.
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